Mea Culpa


   Tenho aquela sensação estranha de que não fiz o percurso entre a casa de Elisa e a minha, como se um lapso temporal houvesse agora na minha memória. É assustadora tal sensação! Mas coisas positivas, penso eu, me ocupavam a mente naqueles instantes.
   Saí da casa de Elisa com a nítida sensação que se operara em mim uma mudança. É certo que a haver de facto a dita mudança, esta fora anterior ao meu admitir da mesma. Antes não a queria ver e muito menos deliberadamente aceitar. Eu deixara-me tomar absolutamente pelo trauma que fora a perda de Laura e do nosso tão desejado filho, é certo que as circunstâncias justificam alguns dos meus atos, mas não todos. Agora sei que cometi alguns, vários erros, agora sei que tenho que os tentar minorar.
   Elisa um dia perguntou se eu achava que era esta vida que Laura quereria para mim... Foi algo que mexeu comigo, que me fez questionar 3 anos de vida, de fuga, de me castigar, enfim... Agora acho que sei o que Laura quereria para mim se soubesse o que iria suceder. Laura quereria que fosse feliz, que amasse alguém como a amava a ela e que com essa pessoa pudesse realizar os sonhos que com ela não pôde viver.
   Sempre que escuto a palavra arrependimento penso no sentido que esta não faz para mim. O facto de nos arrependermos não faz a realidade que alegadamente o justifica voltar atrás. Não me arrependo do que fiz, do que venho fazendo, a cada momento estava certo do que fazia... procurava assim equilibrar-me e apesar de ser ilusão eu acreditava que era assim a melhor maneira de viver aquele trauma. Pelo menos não enlouqueci e cheguei vivo ao dia de hoje. Agora consigo como que sair fora de mim e parece que o que quis fazer foi castigar-me por sei lá o quê, eu acreditei que era aquela vida que me estava reservada, mas estava errado. Agora sei, mas arrepender-me de nada me vale. Apenas posso minorar os erros que cometi.
   Procurava equilibrar-me... mas o equilíbrio, esse é tão relativo. Ilusório, por vezes. Uma mentira, noutras. Há variáveis, mas não as podemos enumerar agora e esperar que agora – escassos instantes depois – elas continuem a ser as mesmas. A todo o instante há mudança, a cada instante a fórmula do equilíbrio muda e pior ainda, presumo que haja várias fórmulas de equilíbrio, mesmo que as variáveis sejam exatamente as mesmas. Foram as minhas atitudes após a morte de Laura que criaram aquilo que pensei ser a melhor solução, a fórmula única, o meu equilíbrio, no fundo... mas ao que parece eu estava de todo errado. Cometi erros, não me posso arrepender, nada voltará atrás.
   O que fiz? Fugi de toda a realidade em que fora feliz, de tudo o que podia fazer-me lembrá-la. Não tinha a pretensão de achar que Laura iria deixar o meu pensamento assim de um dia para o outro, mas achei que longe, mudando de realidade, seria mais fácil. Agora vejo o que fiz como uma espécie de egoísmo, só pensei em mim quando devia ter ficado para todos juntos ultrapassarmos aquela contrariedade. Negligenciei a ajuda que podia receber e a que podia dar. Não me arrependo, quando o fiz estava convicto do que fazia, mas posso sempre fazer diferente daqui para a frente. Posso voltar, desta vez não à noite, sem que ninguém me veja...
   Se em criança, com os amigos, ia ao cemitério lá da terra ao cair da noite por curiosidade e irreverência, por acharmos que algo de misterioso e sinistro lá se passava... Nestes últimos 3 anos voltei lá enumeras vezes, dessas vezes não só subi o muro como o passei para o lado de dentro. Deixava flores, falava com Laura durante algum tempo e depois voltava ao meu equilíbrio.
   Certamente meus pais, meus sogros, desconfiariam que só podia ser eu que lá ia deixar as flores. Há 3 anos que não os vejo, falamos algumas vezes ao telefone, minha mãe pergunta muitas vezes:
   – Quando nos vens visitar, meu filho? – pergunta quando estou para me despedir até um próximo telefonema.
   – Não sei, mãe, não sei... – respondo eu.
   Da próxima vez que ela perguntar, talvez lhe responda em breve... ou quem sabe apareça de surpresa.
   Dói responder-lhe assim. Mas doía mais ao princípio. O Homem é um animal de hábitos e eu habituei-me a viver assim, mas teria de haver mudança, o mundo é composto de mudança... disse alguém.
   A chegada de Elisa foi uma variável nunca imaginada ou ponderada, o amor que vivera com Laura não abria essa hipótese. Mas Elisa chegou, instalou-se, foi a variável que veio mexer com tudo, com todas as variáveis que tivera hipótese de imaginar ou ponderar. Ela abanou os meus débeis alicerces e com isso o equilíbrio que julgava fórmula única foi deixando de ser equilíbrio, veio depois a minha lenta adaptação. Feita de avanços e retrocessos mas sempre com a sensação de dar dois passos em frente e de vez enquanto um atrás, o que somando e subtraindo deu algo que posso desde já concluir como positivo. Não sei como irei conseguir equilibrar a nova realidade, temo que o meu passado possa ser entrave a viver uma relação com Elisa... Acabo de quase me arrepiar com a expressão viver uma relação com Elisa... Assusta-me não ser capaz, temo não a fazer feliz... Mas sei que não posso fugir dela, também já não consigo.
   Não acho que haja desequilíbrios, ou melhor, equilíbrios e desequilíbrios podem a todo o momento inverter-se... Elisa foi a variável que fez isso. Que tudo fez repensar, que em causa colocou tudo, talvez sem o saber... pelo menos ao início.
   Tudo deixa marcas, não posso ambicionar um dia não lembrar Laura, como se fosse possível Elisa ocupar literalmente aquele mesmo espaço, não há um processo de substituição aqui. Não pode haver. O que me deixa apreensivo é não ser capaz de voltar a amar... amar sem marcas, sem receios, absolutamente liberto de qualquer condição prévia. Por outro lado não quero magoar Elisa, não aceito que lhe possa trazer dor, mas só tentando saberei. É um risco a que te terei que me expor. Não há outra hipótese, não correr tal risco significa abdicar de tudo sem saber onde pode chegar.
   Tenho pensado mesmo muito. Que vida quereria Laura para mim se soubesse da sua sorte madrasta?... Elisa tocou nesse ponto e foi como um tiro a atingir o centro do alvo.
   Agora estou certo que Laura não quereria para mim a vida que levei até à chegada de Elisa. Laura não teria orgulho de algumas das minhas atitudes, não me arrependo, mas sinto-me, agora, um pouco envergonhado. Laura por certo quereria que reconstruisse a minha vida e que fosse feliz, não quereria para mim o equilíbrio que escolhi, que para ela seria visto como estagnação.
   Acho que Laura não está orgulhosa de mim. Por isso tenho que mudar de atitude, de vida... Honrando a sua memória, mas sobretudo deixar-me renascer para a vida.


   Notas Finais
   Agradeço mais uma vez à minha amiga Ivone Moreira a paciência que tem para corrigir o que escrevo.

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2 comentários:

  1. Olá Vitor, boa tarde
    Fico satisfeita pelo rumo da história, agora Santiago vai poder voltar a sorrir e a amar, nunca esquecendo a sua Laura, mas esse tempo lá vai e agora viva a Elisa.
    Continua
    Beijinho :)

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  2. Introspecção daquilo que fez, num passado que se deixou apagar e a luta entre o morrer e viver, de conseguir novamente erguer as rédeas da vida, que lhe trouxe mazelas difíceis de cicatrizar, é o dilema deste texto. É uma tarefa árdua, pois tem que cortar laços vinculados impossíveis de se desatar, mas que na realidade é a solução mais verosímil que poderá acatar. Um texto muito bem delineado, onde o sentimento de transcender foca uma realidade marcante, e a certeza que a vida que levava não era viável para um futuro promissor. Gostei imenso, continua a nos encantar, fico aguardando novos capítulos, bjs.

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     O vídeo que pode ver em baixo é uma curta-metragem chamado Cupidity (ou Cupido, em português).

     A história é sobre uma empregada de mesa apaixonada por um cliente, mas que ele nunca reparou nela. Ela canta no restaurante onde trabalha e todos a aplaudem... menos o cliente por quem ela está interessada.

     Até que ela percebe o real motivo do desinteresse e recebe a ajuda de um Cupido. Veja por si mesmo: clique no play e emocione-se.